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quarta-feira, 15 de outubro de 2008

Transgredir para não transgredir

Gestos, gritos, confrontos, correria, pulos... você pensa em que ao ler esses substantivos? Uma briga, um assalto, talvez? Quem sabe até uma guerra? Não, não... esqueça... leia novamente: “Gestos, gritos, confrontos, correria, pulos...”. Pensou em algo mais? Se você disse festa, acertou!

Não se espante, mas, segundo o sociólogo francês Roger Caillois, tanto a guerra quanto a festa tem as mesmas características: transgressão de regras, extinção do proibido, liberação de uma energia destrutiva. Só que, essa energia tem como finalidade reforçar as estruturas sociais existentes. Como?

A festa é uma válvula de escape. Em festas como o Carnaval, por exemplo, as pessoas saem do cotidiano e se permitem transcender o que são, fazer o que quiserem sem pensar muito nas conseqüências; afinal, na festa (quase) tudo é permitido. A contradição está no fato de que toda essa impulsividade em eventos festivos ocorre porque se tem a certeza de que quando a festa acabar, voltar-se-á para a mesma rotina, a qual pode ser monótona, porém é segura; ao contrário da festa cujo império é o da imprevisibilidade.

Pode-se perceber também que, as festas são mais intensas nos países onde há maior número de leis, uma forte regulamentação, como no caso do Brasil, onde só entre 1988 e 2006 foram criadas 3.709 leis apenas no âmbito federal. Aproveita-se a festa como se ela fosse a última da vida, como se “aquele dia” fosse o último na Terra. Então, burlar o proibido, transgredir as regras torna-se excitante.

De acordo com Roger Caillois, no livro L’Homme et le Sacré, “a vida regular, ocupada com os trabalhos cotidianos, pacifica, enquadrada em um sistema de interdições, cheio de precauções, cuja máxima é quieta non movere mantém a ordem do mundo, opondo-se à efervescência da festa. Esta, se considerarmos os aspectos extrínsecos, apresenta características idênticas em qualquer nível de civilização. Ela implica um grande massa de pessoas agitadas e barulhentas. Esse comportamento massivo favorece, eminentemente, o nascimento e a exaltação que se transforma em gritos e gestos e que incita a abandonar-se sem controle aos impulsos mais impensados”.

A festa é antagônica, ela existe para que a paz e a ordem continuem, para que as pessoas tenham momentos de “insanidade”, porém, ela poderia ser considerada como algo intrínseco e necessário à sociedade. É uma liberdade, porém sem deixar de ser controlada. Um abandonar-se para voltar aos enquadramentos sociais assim que a festa acabar. Algo como se fosse um transe, um lapso temporal no qual se pode escolher uma personagem que se quer representar.

“Compreende-se que a festa é um paradoxo entre a vida social e que rompe violentamente os problemas sobre a existência cotidiana. Ela aparece ao individuo como um outro mundo onde ele se mantém e se transforma por forças que o ultrapassam. Sua atividade rotineira, de colheita, caça, pesca ou de criação não fazem que ocupar seu tempo e atender as suas necessidades imediatas. Ele, com certeza, as faz com atenção, paciência e habilidade, porém, mais profundamente, ele vive uma lembrança de uma festa e na espera de uma outra, pois a festa é para ele, para a sua memória e para seu desejo, o tempo das emoções intensas e da metamorfose do seu ser”, analisa Roger Caillois.

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