Gestos, gritos, confrontos, correria, pulos... você pensa em que ao ler esses substantivos? Uma briga, um assalto, talvez? Quem sabe até uma guerra? Não, não... esqueça... leia novamente: “Gestos, gritos, confrontos, correria, pulos...”. Pensou em algo mais? Se você disse festa, acertou!
Não se espante, mas, segundo o sociólogo francês Roger Caillois, tanto a guerra quanto a festa tem as mesmas características: transgressão de regras, extinção do proibido, liberação de uma energia destrutiva. Só que, essa energia tem como finalidade reforçar as estruturas sociais existentes. Como?
A festa é uma válvula de escape. Em festas como o Carnaval, por exemplo, as pessoas saem do cotidiano e se permitem transcender o que são, fazer o que quiserem sem pensar muito nas conseqüências; afinal, na festa (quase) tudo é permitido. A contradição está no fato de que toda essa impulsividade em eventos festivos ocorre porque se tem a certeza de que quando a festa acabar, voltar-se-á para a mesma rotina, a qual pode ser monótona, porém é segura; ao contrário da festa cujo império é o da imprevisibilidade.
Pode-se perceber também que, as festas são mais intensas nos países onde há maior número de leis, uma forte regulamentação, como no caso do Brasil, onde só entre 1988 e 2006 foram criadas 3.709 leis apenas no âmbito federal. Aproveita-se a festa como se ela fosse a última da vida, como se “aquele dia” fosse o último na Terra. Então, burlar o proibido, transgredir as regras torna-se excitante.
De acordo com Roger Caillois, no livro L’Homme et le Sacré, “a vida regular, ocupada com os trabalhos cotidianos, pacifica, enquadrada em um sistema de interdições, cheio de precauções, cuja máxima é quieta non movere mantém a ordem do mundo, opondo-se à efervescência da festa. Esta, se considerarmos os aspectos extrínsecos, apresenta características idênticas em qualquer nível de civilização. Ela implica um grande massa de pessoas agitadas e barulhentas. Esse comportamento massivo favorece, eminentemente, o nascimento e a exaltação que se transforma em gritos e gestos e que incita a abandonar-se sem controle aos impulsos mais impensados”.
A festa é antagônica, ela existe para que a paz e a ordem continuem, para que as pessoas tenham momentos de “insanidade”, porém, ela poderia ser considerada como algo intrínseco e necessário à sociedade. É uma liberdade, porém sem deixar de ser controlada. Um abandonar-se para voltar aos enquadramentos sociais assim que a festa acabar. Algo como se fosse um transe, um lapso temporal no qual se pode escolher uma personagem que se quer representar.
“Compreende-se que a festa é um paradoxo entre a vida social e que rompe violentamente os problemas sobre a existência cotidiana. Ela aparece ao individuo como um outro mundo onde ele se mantém e se transforma por forças que o ultrapassam. Sua atividade rotineira, de colheita, caça, pesca ou de criação não fazem que ocupar seu tempo e atender as suas necessidades imediatas. Ele, com certeza, as faz com atenção, paciência e habilidade, porém, mais profundamente, ele vive uma lembrança de uma festa e na espera de uma outra, pois a festa é para ele, para a sua memória e para seu desejo, o tempo das emoções intensas e da metamorfose do seu ser”, analisa Roger Caillois.
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