Darcy Ribeiro nasceu em Minas Gerais. Formou-se em Antropologia, em São Paulo, e dedicou parte de seus anos ao estudo dos índios, do Pantanal, da Amazônia e do Brasil Central. Fundou o Museu do Índio e o Parque Indígena do Xingu. Defendeu veemente a causa indígena. Criou a Universidade de Brasília; foi Ministro da Educação e Ministro-Chefe da Casa Civil.
Na sua obra, Darcy Ribeiro trabalha com três matrizes culturais. Ele começa descrevendo como ocorreu o surgimento do povo brasileiro. Segundo ele, tratava-se de um novo povo, que se enfrenta e se funde. Para ele, os costumes indígenas – que ofereciam uma moça índia como esposa aos recém-chegados – foi importante no processo de formação do povo brasileiro. O que era um costume dos índios, para o colonizador branco era uma maneira de ocupar a terra e explorar os nativos.
Era necessário refletir sobre a nossa formação, e isso nos remete às origens, à história que fomos construindo. “O tema que me propunha agora era reconstruir o processo de formação dos povos americanos, num esforço para explicar as causas do seu desenvolvimento desigual”, escreve o autor na introdução do livro “O povo brasileiro”.
Segundo Darcy, havia três teorias que ajudariam na compreensão do povo brasileiro:
Þ Teoria da base empírica das classes sociais. “Havendo lutas de classes, existiriam blocos antagonistas embuçados a identificar e caracterizar”.
Þ Tipologia das formas de exercícios do poder e de militância política.
Þ Teoria da cultura, capaz de dar conta das nossas realidades.
Através da junção desse conjunto teórico proposto por Ribeiro, ele formou uma teoria, até então inédita.
Entretanto, para aqueles que pensam encontrar imparcialidade na obra feita por ele, Darcy Ribeiro alerta: “faço política e faço ciência movido por razoes étnicas e por um profundo patriotismo. Não procure aqui, análises isentas”. Para o autor, o objetivo do livro é “ser participante, que aspira influir sobre as pessoas, que aspira ajudar o Brasil a encontrar-se a si mesmo”.
Ao falar sobre “distância social” no capítulo “Classe, cor e preconceito”, do seu livro intitulado “O povo brasileiro”, Darcy Ribeiro afirma: “a eleição é uma grande farsa em que massas de eleitores vendem votos àqueles que seriam seus adversários naturais. Por tudo isso é que ela se caracteriza como uma ordenação oligárquica que só se pode manter artificiosa ou repressivamente pela compreensão das forças majoritárias às quais condena ao atraso e à pobreza”.
Os descendentes dos grandes senhores, que compõem a classe dominante acreditam que a situação social dos negros livres, mulatos e brancos pobres são características da raça. Não se vê a má condição social como conseqüência da escravidão e da opressão. Darcy Ribeiro diz que o preconceito em si não acontece devido à raça e sim à cor da pele. “A luta mais árdua do negro africano e de seus descendentes brasileiros foi – e ainda é – a conquista de um lugar e de um papel de participante legítimo na sociedade nacional”.
Ele declara que o mulato sendo o resultado da miscigenação do negro com o branco, participa desses dois mundos. Isso o faz também ter o lado erudito do branco. Porém, eles só progrediriam se negasse à negritude possuída. “Posto entre dois mundos conflitantes – o do negro, que ele rechaça, e o do branco, que o rejeita – o mulato se humaniza no drama de ser dois, que é o mesmo de ser ninguém”.
Ainda sobre a questão negra, assim como Gilberto Freyre, Darcy escreve acerca da influência negra no idioma. “Nossa matriz africana é a mais abrasileirada delas. Já na primeira geração, o negro, nascido aqui, é um brasileiro. O era antes mesmo do brasileiro existir, reconhecido e assumido como tal. O era, porque só aqui ele saberia viver, falando como sua língua do amo. Língua que não só difundiu e fixou nas áreas onde mais se concentrou, mas amoldou, fazendo do idioma o Brasil um português falado por bocas negras, o que se constata ouvindo o sotaque de Lisboa e o de Luanda”.
Ribeiro fala que cada grupo étnico vai perdendo sua identidade. “Foi desindianizando o índio, desafricanizando o negro, deseuropeizando o europeu e fundindo suas heranças culturais que nos fizemos. Somos, em conseqüência, um povo síntese, mestiço na carne e na alma, orgulhoso de si mesmo, porque entre nós a mestiçagem jamais foi crime ou pecado. Um povo sem peias que nos atenham a qualquer servidão, desafiado a florescer, finalmente, como uma civilização nova, autônoma e melhor”.
Conforme afirma o autor “prevalece, em todo o Brasil, uma expectativa assimilacionista, que leva os brasileiros a supor e desejar que os negros desapareçam pela branquização progressiva”.
Apesar de todo o preconceito vigente no Brasil, esse ocorre, como já foi dito, pela cor da pele. “Se a pele é um pouco mais clara, já passa a incorporar a comunidade branca. Acresce que aqui se registram, também, uma branquização puramente social e cultural”. Ele diz que a miscigenação modifica o biótipo do brasileiro.
Mesmo com toda a miscigenação, e sendo o Brasil multicultural, ele não é homogêneo. A ecologia, economia e imigração fomentaram as distinções verificadas no brasileiro, que povoa esse vasto território. No entanto, “os brasileiros se sabem, se sentem e se comportam como uma só gente, pertencente a uma mesma etnia”.
Diferentemente do apartheid, onde mesmo mantido distante dos brancos, os negros podem manter sua identidade, no regime assimilacionista, os negros perdem-na, já que é diluída gradativamente. “A democracia racial é possível, mas só é praticável conjuntamente com a democracia social. Ou bem há democracia para todos, ou não há democracia para ninguém, porque à opressão do negro condenado à dignidade de lutador da liberdade, corresponde o opróbrio do branco posto no papel de opressor dentro da sua própria sociedade”. (Darcy Ribeiro, O povo brasileiro, página 227)
No livro “O povo brasileiro”, Darcy escreve: “pude sentir, no exílio, como é difícil para o brasileiro viver fora do Brasil. Nosso país tem tanta seiva de singularidade que torna extremamente difícil aceitar e desfrutar do convívio com outros povos”. Em outras palavras, acusa o brasileiro de ser um povo xenófobo. Com isso, prova não ser parcial, conforme ele mesmo havia dito.
Encerro a análise com esta citação de Darcy Ribeiro, que não deixa de ser “esperançosa”: “todos nós, brasileiros, somos carne da carne daqueles pretos e índios supliciados. Como descendentes de escravos e de senhores de escravos seremos sempre marcados pelo exercício da brutalidade sobre aqueles homens, mulheres e crianças. Esta é a mais terrível de nossas heranças. Mas nossa crescente indignação contra esta herança maldita nos dará forças para, amanhã, conter os possessos e criar aqui, neste país, uma sociedade solidária”.