É então que paro e penso... a vida do talentoso menino começou cheia de sofrimento, ter de deixar a infância, ou melhor, de adiá-la – uma vez que tentou resgatar a infância perdida em Neverland – para satisfazer os caprichos de um pai que queria transformar os filhos em estrelas, talvez por ele próprio não ter conseguido ser uma, em um mundo tão segregado racialmente quanto era o das celebridades estadunidenses há algumas décadas.
Da infância perdida para a fama avassaladora, com milhões de discos vendidos e recordes de vendas. A fama proporcionou dinheiro... muito dinheiro, o que também trouxe com isso a inveja, a ganância, a ambição desenfreada de algumas pessoas que tentavam deturpar o jeito do homem-menino, as excentricidades em perversão. Será que o fato de gostar de ser uma criança, de se sentir uma criança o tornaria um pedófilo? Querendo ou não, nós lemos, contribuímos, demos audiências para as pessoas que lucravam com este tipo de notícia...
Nasceram as crianças, talvez as pessoas que ele mais amou no mundo e para quem ele tentou proporcionar a infância que não teve, o amor de pai que faltou a ele. E o que ocorre, agora que Michael Jackson fechou os olhos? Boatos de que eles não são seus filhos. Mas, não foi ele que os criou e que deu todo amor? Será que isso o torna menos pai do que o Sr. Jackson que é pai biológico de Michael, porém que o tratou somente como um produto?
Paro e penso novamente... nas letras... We are the world, tão cantada, tão aclamada, hino contra a fome na África, reavivada no Live 8. Mas, até nisso, a bondade dele não foi tão notada, não ao ponto do reconhecimento que foi dado a Bono Vox ou a Bob Geldof.
Até quando queria fazer o bem, Michael Jackson era polêmico e destorcido... A música They don’t care about us foi acusada de anti-semita por conta de uma hermenêutica que visa apenas destruir, encontrar o mal e não enxergar o bem, a propagação da palavra, do sentido da letra, das imagens das favelas e da pobreza do Brasil. Ao dizer que “eles não ligam para a gente”, vejo que apenas nesta frase, poderíamos ver o descaso, descaso dos governantes para com os governados, de políticos corruptos, de uma mídia de abutres, de intelectuais gananciosos, de pessoas egoístas... A letra ainda diz: “Diga-me o que aconteceu com meus direitos/ Eu sou invisível? Porque você me ignora/ Sua proclamação me prometeu liberdade / Estou cansado de ser vítima da vergonha / Eles estão acabando com minha reputação/ Não acredito que essa é a terra de onde vim/ Você sabe que eu na verdade odeio falar isso/ O governo não quer enxergar.”
Tento dizer a mim mesma que lutarei para ser uma das que ligam, entretanto carrego o peso de fazer parte desta sociedade capitalista selvagem e, por conseguinte, tenho parcela da culpa, pois, algumas vezes viro a cara para as injustiças sociais.
Mas, voltando a Michael Jackson... Lembro-me do alvoroço que houve quando ele veio ao Brasil gravar um clipe no Rio e em Salvador. Creio que eu deveria ter 11 ou 12 anos, entretanto, recordo-me muito bem da passagem dele aqui. Reflito mais uma vez e acredito que quando ele cantou They don’t care about us, estava referindo-se também a ele, o qual muitas vezes foi deixando de segundo plano, teve sua dignidade como pessoa humana escanteada...