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sexta-feira, 24 de outubro de 2008

L'Union fait la force!

1789. Ano da Revolução Francesa, correto? Sim!! Mas também é o ano que dá início a uma revolução a qual quase ninguém dá importância, a de um país que é esquecido pela maioria da população mundial: o Haiti. A Revolução Francesa, com o lema “Liberdade, Igualdade e Fraternidade”, alimentou o espírito revolucionário em diversos países, inclusive no Brasil. No entanto, uma pequena ilha caribenha teve mais sucesso do que outras colônias que almejavam a independência.

A história do Haiti é repleta de revoltas e de luta pela liberdade. Foi lá que Cristóvão Colombo desembarcou em 1492 ao descobrir a América. A Ilha foi batizada como Hispaniola. Cerca de 100 anos depois, no final do século XVI, a população indígena – aruaques – já estava quase que completamente dizimada. E, foi nessa mesma época, que a Espanha cedeu parte do território da ilha à França.

O objetivo francês era ter colônias de povoamento na América visando um bom posicionamento militar, o qual pudesse favorecer um ataque às colônias da metrópole mais rica da época: a Espanha.

Aos poucos, as Antilhas foram se apresentando como uma grande fonte de renda. “As condições climáticas das Antilhas permitiam a produção de um certo número de artigos – como o algodão, o anil, o café e principalmente o fumo – com promissoras perspectivas nos mercados da Europa”, diz Celso Furtado no livro Formação Econômica do Brasil.

Com a expulsão dos holandeses do Brasil, as Antilhas se mostraram um local apropriado para o cultivo da cana-de-açúcar. Então, o perfil do morador das Antilhas foi mudando. Precisava-se de mão-de-obra escrava. As colônias de povoamento com objetivos militares deram lugar a colônias de exploração, sendo o principal intuito o econômico.

Em 1789, o Haiti era a colônia francesa mais próspera. Nessa época, chamava-se Saint Domingue e era o maior produtor e exportador de açúcar do mundo. Saint Domingue era responsável por 40% do açúcar mundial, 50% do café consumido no continente europeu, além de 35% do comércio internacional da França.

Nessa época, a França passava por transformações drásticas. O mundo olhava para os franceses e tentava imitá-los. Não foi diferente com as colônias francesas. Após a Revolução Francesa, tão liberalista e clamando por direitos, Saint Domingue espera ter sua independência proclamada, o que não aconteceu. A decepção dos mulatos e dos negros alforriados ensejou uma revolução em 1791, cujo principal líder foi Toussaint L’Overture. Desde então, até 1803, Saint Domingue foi invadida pela Espanha, Grã-Bretanha e até por Napoleão, o qual queria restabelecer o regime escravista. Mas nem mesmo ele foi capaz de reconquistar a ilha; o fracasso foi tão imenso que ele perdeu 40 mil dos seus melhores soldados.

Em 1801, Toussaint conquista Santo Domingo (colônia espanhola) e unifica o país. Havia uma grande baixa populacional: cerca de 75% dos brancos e 40% dos mulatos tinham sido mortos ou haviam emigrado.

Em 1º de janeiro de 1804, Jacques Dessalines proclama a independência de Saint Domingue e se intitula imperador. Foi a partir daí que o país passou a se chamar Ayti, que, para os ameríndios da tribo Taïnos, significa “a terra das altas montanhas”.

Com a saída dos europeus - e com eles a tecnologia – o Haiti passou a viver de uma economia de subsistência e a empobrecer. Da metade do século XIX até o início do século XX, 14 dos 20 governantes haitianos foram mortos ou depostos.

Os Estados Unidos, com a desculpa de que estavam protegendo interesses estadunidenses no local, ocupou o país de 1915 a 1934. alguns anos depois, em 1957, François Devalier (o Papa Doc) instaurou a ditadura, perseguiu a Igreja Católica e exterminou todos aqueles que mostrassem contra dele. Em 1971, ele faleceu e quem o substituiu foi o filho Jean-Claude Duvalier, o Baby Doc. Mas Jean-Claude não agüentou a pressão popular, decretou estado de sítio, fugiu para a França e deixou em seu lugar o general Henri Namphy. Depois de ter sido governada por mais dois generais realizaram-se eleições presidenciais em 1990, da qual o vencedor foi Jean-Bertrand Aristide.

Só que Aristide foi deposto, apenas um ano depois, por um golpe liderado pelo General Raul Cedras. O grande número de imigrantes haitianos nos Estados Unidos, fez com que os norte-americanos pressionassem o governo haitiano para a volta de Aristide ao poder. Em setembro de 1994, Aristide voltou ao poder, no entanto, o país estava mergulhado no caos.

Acusou-se Aristide de fraudar as eleições parlamentares e presidenciais, em 2000. Três anos depois, a oposição pedia a renúncia dele. A falta de acordo entre o governo e a oposição alimentou diversos conflitos civis mergulhando o Haiti em uma catástrofe sem tamanho. Aristide se exilou na África do Sul e o presidente da Suprema Corte – Bonifácio Alexandre – assumiu o governo interinamente e pediu a intervenção da Organização das Nações Unidas (ONU).

O Conselho de Segurança, então, aprovou o envio de tropas ao Haiti, a chamada Força Multinacional Interina (MIF). Em 2004, também foi criada a Minustah – Mission dês Nations Unies pour la stabilisation en Haiti – cujo comandante designado foi o General Augusto Heleno Ribeiro Pereira (do Exército brasileiro).

A partir de então, o Exército do Brasil passou a enviar tropas para o Haiti com o objetivo de contribuir para a segurança no país. O contingente é revezado a cada seis meses e o treinamento, feito pelo Centro de Instrução de Operações de Paz (Ciop Paz) é meticuloso para preparar centenas de soldados para a missão de auxiliar na reconstrução haitiana. São realizadas diversas ações, entre as quais as sociais. A permanência da tropa brasileira é aprovada por 78% da população do Haiti.

Outras nações - como a Argentina, o Sri Lanka e a Jordânia - fazem parte da Minustah colocando em prática a divisa haitina: L’Union fait la force (a União faz a força).

quarta-feira, 15 de outubro de 2008

Transgredir para não transgredir

Gestos, gritos, confrontos, correria, pulos... você pensa em que ao ler esses substantivos? Uma briga, um assalto, talvez? Quem sabe até uma guerra? Não, não... esqueça... leia novamente: “Gestos, gritos, confrontos, correria, pulos...”. Pensou em algo mais? Se você disse festa, acertou!

Não se espante, mas, segundo o sociólogo francês Roger Caillois, tanto a guerra quanto a festa tem as mesmas características: transgressão de regras, extinção do proibido, liberação de uma energia destrutiva. Só que, essa energia tem como finalidade reforçar as estruturas sociais existentes. Como?

A festa é uma válvula de escape. Em festas como o Carnaval, por exemplo, as pessoas saem do cotidiano e se permitem transcender o que são, fazer o que quiserem sem pensar muito nas conseqüências; afinal, na festa (quase) tudo é permitido. A contradição está no fato de que toda essa impulsividade em eventos festivos ocorre porque se tem a certeza de que quando a festa acabar, voltar-se-á para a mesma rotina, a qual pode ser monótona, porém é segura; ao contrário da festa cujo império é o da imprevisibilidade.

Pode-se perceber também que, as festas são mais intensas nos países onde há maior número de leis, uma forte regulamentação, como no caso do Brasil, onde só entre 1988 e 2006 foram criadas 3.709 leis apenas no âmbito federal. Aproveita-se a festa como se ela fosse a última da vida, como se “aquele dia” fosse o último na Terra. Então, burlar o proibido, transgredir as regras torna-se excitante.

De acordo com Roger Caillois, no livro L’Homme et le Sacré, “a vida regular, ocupada com os trabalhos cotidianos, pacifica, enquadrada em um sistema de interdições, cheio de precauções, cuja máxima é quieta non movere mantém a ordem do mundo, opondo-se à efervescência da festa. Esta, se considerarmos os aspectos extrínsecos, apresenta características idênticas em qualquer nível de civilização. Ela implica um grande massa de pessoas agitadas e barulhentas. Esse comportamento massivo favorece, eminentemente, o nascimento e a exaltação que se transforma em gritos e gestos e que incita a abandonar-se sem controle aos impulsos mais impensados”.

A festa é antagônica, ela existe para que a paz e a ordem continuem, para que as pessoas tenham momentos de “insanidade”, porém, ela poderia ser considerada como algo intrínseco e necessário à sociedade. É uma liberdade, porém sem deixar de ser controlada. Um abandonar-se para voltar aos enquadramentos sociais assim que a festa acabar. Algo como se fosse um transe, um lapso temporal no qual se pode escolher uma personagem que se quer representar.

“Compreende-se que a festa é um paradoxo entre a vida social e que rompe violentamente os problemas sobre a existência cotidiana. Ela aparece ao individuo como um outro mundo onde ele se mantém e se transforma por forças que o ultrapassam. Sua atividade rotineira, de colheita, caça, pesca ou de criação não fazem que ocupar seu tempo e atender as suas necessidades imediatas. Ele, com certeza, as faz com atenção, paciência e habilidade, porém, mais profundamente, ele vive uma lembrança de uma festa e na espera de uma outra, pois a festa é para ele, para a sua memória e para seu desejo, o tempo das emoções intensas e da metamorfose do seu ser”, analisa Roger Caillois.