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quarta-feira, 18 de outubro de 2006

A hermenêutica gadameriana

O homem é um animal hermenêutico. É nessa afirmação que se baseia o pensamento de tanto de Gadamer quanto de Heidegger, de quem o primeiro foi pupilo. Para compreender o que diz Gadamer é preciso analisar a temporalidade, já que segundo o filosofo alemão, o homem é um ser finito e histórico.

Ele aborda a questão de como é possível a compreensão através da hermenêutica filosófica, assim conhecida por não seguir os métodos das ciências humanas. Métodos esses, conforme explicita Gadamer, que não é caminho da verdade. “A verdade zomba do homem metódico”, pois o máximo que ele pode fazer é apreender apenas uma verdade.

Segundo Gadamer, “ser compreendido é a linguagem” e o homem vive dentro do mundo lingüístico. Não é um autor soberano que dita as regras, mas é a linguagem em si que provoca o homem e causa-lhe efeitos. “Toda compreensão é interpretação e toda interpretação se faz no seio da linguagem” diz Manfredo Oliveira.

O processo de interpretação requer uma autocompreensão que ocorrerá quando o homem definir o seu papel no tempo e na história. O ser do eis-aí-ser, escreve Manfredo, “é uma mediação entre o passado e o presente na direção do futuro que se abre”. Ou seja: compreende-se através de pré-conceitos, que são mais a realidade histórica do seu ser.

A interpretação perfeita acontece com a união dos horizontes do texto e do intérprete. “Se há uma transformação no indivíduo que está falando e no outro que está escutando, então, há um diálogo. Mas não existe uma perspectiva ideal de encontro, como a idéia de um símbolo de duas metades. Todo outro em sua alteridade está sempre além do ‘tu’ que o indivíduo conhece”. (Gadamer)

A tradição, essencial para a visão gadameriana, está ao alcance do presente através da escrita, ocasionando num alargamento e enriquecimento dos horizontes. Gadamer acredita que “a e escrita é uma espécie de fala alienada e a tarefa da hermenêutica consiste precisamente em reconduzir a escrita a fala”. Pode-se fazer uma analogia com o sistema de codificação, é como se o pensamento fosse condensado em forma de texto e esperasse pelo intérprete para ter vida e ação novamente ao ser decodificado/interpretado. A linguagem é finita porque dentro dela há uma infinidade de sentidos que podem surgir.

Ao interpretar algo, o homem leva a suas experiências para tentar compreender o que está sendo mostrado. O entendimento se dá de acordo com a vivência do receptor, não importando o contexto de quem o escreveu, mas de quem o lê. Aí entraria o caso da hermenêutica jurídica. Não vem ao caso quem escreveu as leis, mas a aplicabilidade, sendo mais relevante a interpretação feita pelo jurista que a vai designar.

“Quem quer compreender um texto, em princípio, tem que estar disposto a deixar que ele diga alguma coisa por si. Por isso, uma consciência formada hermeneuticamente tem que se mostrar receptiva, desde o princípio, para a alteridade do texto. Mas essa receptividade não pressupõe nem neutralidade com relação à coisa nem tampouco auto-anulamento, mas inclui a apropriação das próprias opiniões prévias e preconceitos, apropriação que se destaca destes.” (Gadamer) O leitor tem que estar aberto, deixar o texto se expressar, mesmo se ele necessite da tradição e dos pré-conceitos para compreendê-lo.

quarta-feira, 11 de outubro de 2006

Dr. House: medicina à la Sherlock Holmes

Não sou nem um pouco noveleira. Não sei bem ao certo o motivo, talvez as histórias sejam ruins, mas principalmente seja o fato de ter que ficar “presa” a algo, tendo que acompanhar todos os dias os capítulos de uma estória que parecia nunca ter fim, principalmente hoje em dia, quando os autores prolongam os folhetins em busca de audiência e merchandising.

Contraditoriamente (ou não?!?!) sou viciada em séries... e quando eu gosto de uma sou pior do que a “típica noveleira”. Fico louca para saber o que vai acontecer, qual será o destino dos personagens. Mas ao mesmo tempo, o que eu gosto, é que as séries, na maioria dos casos, tem um começo, um meio e um fim. A ansiedade é para saber o que vai acontecer no próximo episodio, qual vai a estória seguinte, como a personagem vai reagir numa situação diferente...

Há algumas séries pelas quais sou encantada, porém confesso ter uma “quedinha” por aquelas que tenham um certo suspense (tem que ser o inteligente!), um mistério, mas que seja – por favor! – irônica! Não sou muito adepta ao estilo “bom mocinho”, prefiro aquelas personagens que tem “personalidade”, são bonzinhos, mas com um pitada de maldade.

Por isso faço o possível (muitas vezes vou dormir de madrugada!) para assistir House. O seriado possui todas as qualidades de um bom folhetim: suspense, mocinhos e garotinhas bonitos, humor e... Hugh Laurie!! Bem que ele tenta disfarçar o sotaque inglês, mas, na minha humilde opinião mesmo que digam o contrário, não é 100% bem sucedido (o que, ao contrário do que algumas pessoas possam pensar é ótimo!).


House conta a estória de um médico (Gregory House), chefe de uma equipe que lida com os casos mais estranhos da medicina. O desenrolar dos episódios se dá na tentativa de Dr. House e sua equipe (composta por Cameron, Foreman e Chase) de achar um diagnóstico para os tipos raros – e bizarros – de enfermidade e com o relacionamento com seus subalternos, seu melhor amigo dr. Wilson e Cuddy (diretora do hospital). Na maioria dos casos, o final é feliz, em outros, o fim do paciente não é aparente, mas, em cada capítulo se tenta mostrar um pouco do lado humano e sensível do dr. House.

É que para ele tudo tem uma explicação lógica, baseada na sua observação do comportamento humano. Ele pode até entender o que se passa na mente dos outros, entretanto não entende a si próprio. É ranzinza, chato, desconfiado, manco, diferente dos outros médicos não usa jaleco, tem um aspecto de relaxamento, mas é exigente demais!!! Nossa... você deve estar pensando como é possível gostar de um cara assim... Assista e você vai descobrir!! Não é por acaso que a série da FOX (no Brasil apresentada pela Universal quintas às 23h, com reprise à 1h e sábados às 19h) é um sucesso desde sua estréia em 2004.

segunda-feira, 9 de outubro de 2006

Política e conceitos: do clássico ao atual

A política é um assunto bastante comentado nos últimos meses por conta do ano eleitoral. Mas o significa da palavra política sofreu alterações desde Aristóteles, o qual escreveu a obra homônima e que “deve ser considerado o primeiro tratado sobre a natureza, as funções, as divisões do Estado e sobre as várias formas de governo, predominantemente no significado de arte ou ciência do governo”.

A partir de então, usou-se esse conceito sempre se referindo ao Estado ou a algo ligado a ele. A conseqüência é que os cidadãos não se acham enquadrados no meio político, o que deve se considerar um erro grave, pois todo o ser humano é um ser essencialmente político porque vive em sociedade e toma atitudes que afetarão não só a si próprio como aos que estão em volta.

O conceito de política desgastou-se também devido às más atitudes das pessoas eleitas para serem representantes do povo. E essa questão influenciou até a noção que se tinha de democracia.

Demo = povo, cracia = poder: governo do povo. O regime criado no período helênico, que na etimologia significaria um governo popular, teve o início já marcado por uma distorção. Na época do seu surgimento só era considerado cidadão aqueles que tivessem um certo poder aquisitivo e status social. A maior parte dos habitantes da Grécia não fazia parte desse grupo, mostrando-se que, na verdade, essa “democracia” estaria mais próxima de uma oligarquia (governo de poucos).

Mas não se deve desmerecer a contribuição dos gregos para a democracia. Hoje, esse povo que deveria se importar com o seu governo está desesperançoso e esquece que é ele que tem o poder para eleger, escolher os seus representantes, aqueles que têm a obrigação de lutar pelas necessidades, pelos anseios da maioria.

Uma sociedade torna-se tanto mais ingovernável quanto mais aumentam as demandas da sociedade civil e não aumenta correspondentemente a capacidade das instituições de a elas responder, ou melhor, com a capacidade de resposta do Estado alcançando limites talvez não mais superáveis.

Rousseau dizia que o Estado se formou da união de pessoas através de um contrato, um pacto social firmado pela maioria, na qual os integrantes abdicavam de uma parcela de sua liberdade individual para receberem em troca um outro tipo de liberdade, equivalente a primeira: a coletiva. Esse contrato visa o bem-estar social. E ainda é esse o papel do Estado atualmente, que deve fornecer o mínimo de condições possíveis para as pessoas. Ele deve dar gratuitamente educação, saúde, cultura e até mesmo moradia, como é previsto na Constituição Brasileira, por exemplo.

Art. 6º São direitos sociais a educação, a saúde, o trabalho, a moradia, o lazer, a segurança, a previdência social, a proteção à maternidade e à infância, a assistência aos desamparados, na forma desta Constituição.

Apesar disso, a teoria é diferente da prática e observa-se que a decadência do ensino e da saúde pública. As pessoas de classe média pagam por serviços que deveriam ser ofertados pelo responsável por zelar pelo bem-estar.

É difícil tentar entender e comparar algumas atividades tomadas pelo Estado. Isso porque a “razão” dele é diferente da individual. Segundo Bobbio, por ‘razão do Estado’ entende-se aquele conjunto de princípios e máximas com base nas quais as ações que não seriam justificadas se cumpridas por um indivíduo isolado não são apenas justificadas mas em alguns casos de fato exaltadas e glorificadas se cumpridas pelo príncipe, ou por qualquer pessoa exerça o poder em nome do Estado.

Em outras palavras, a razão do Estado é a política e a do indivíduo é a moral, que o impede dou instiga a fazer algo de acordo com a concepção própria de certo ou errado.

Os objetivos, certas vezes, são desviados por causa da ambição dos representantes do povo, os quais olvidam as necessidades dos que o elegeram e apenas almejam poder. Na tipologia clássica se diz que o poder seria o meio utilizado para se adquirir algo, alguma vantagem. Na época de Aristóteles, classificava-se o poder em paterno, despótico e político. Nesse último estariam em questão tanto os interesses dos governantes quanto os dos governados, todavia, numa forma corrupta de governo, existe somente os dos primeiros.

Já na tipologia moderna, a ordenação do poder ocorre de acordo com os meios utilizados pelo sujeito ativo para direcionar o comportamento do sujeito passivo. Sendo assim, há o poder econômico, o poder ideológico e o poder político. No econômico, usa-se a posse de bens necessários para influenciar aqueles que não os possuem.

“O poder ideológico funda-se sobre a influência que as idéias formuladas de um determinado modo, emitidas em determinadas circunstancia, por uma pessoa investida de uma determinada autoridade, difundidas através de determinados procedimentos, têm sobre a conduta dos consociados: desse tipo de condicionamento nasce a importância social em casa grupo organizado daqueles que sabem, dos sapientes. (...) O poder político, enfim, funda-se sobre a posse dos instrumentos através dos quais se exerce a forca física (armas de todo tipo e grau): e o poder coativo no sentido mais estrito da palavra.” (Bobbio, 2000.)

O mais forte dos três é o político, pois os grupos sociais recorrem a ele para manter a ordem através da coação. É o uso da força que torna o poder político diferente dos demais. Ele também se distingue porque tem exclusividade, universalidade e inclusividade. É exclusivo porque não permite grupos armados independentes; universal uma vez que a decisão tomada pelo detentor do poder afeta a todos; inclusivo porque intervem em outras atividades dos membros do grupo.

Nesta época de eleições, verifica-se bem as utilizações dos três tipos de poder mencionados para induzir os eleitores a votarem em determinados candidatos. Há, até mesmo, a compra de votos, descaracterizando todo o legitimo significado de democracia e de política.

É preciso que a sociedade civil (para alguns autores o lugar das relações econômicas e que não deve ser confundida com o conjunto de pessoas não inseridas na atividade militar) se conscientize do seu papel na formação de um governo justo.

A sociedade civil representa o lugar onde se formam, especialmente nos períodos de crise institucional, os poderes de fato que tendem a obter uma legitimação própria inclusive em detrimentos dos poderes legítimos – o lugar onde, em outras palavras, desenvolvem-se os processos de deslegitimação e de relegitimação.