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terça-feira, 27 de setembro de 2005

Cultura: um conceito reacionário?

Para Guattari a cultura é um conceito “profundamente reacionário. É uma maneira de separar as atividades semióticas”. Segundo o autor, a cultura não existiria isoladamente, se conjugada a ela não houvessem outros aspectos como o econômico e político.

Para entender melhor o pensamento de Guattari, vamos ver o significado da palavra “reacionário”. Conforme o dicionário Aurélio “1.próprio da reação; 2.contrário à liberdade”. Detendo-se no último, vê-se que a intenção de Felix Guattari seria afirmar que a cultura prende o indivíduo. Através delas os governantes obteriam o domínio da população mais facilmente.

Ao mesmo tempo em que a cultura segmenta, ela une pessoas que possuem pensamentos semelhantes.

Guattari diz que a “cultura de equivalência” seria um modo de controle da subjetivação. O capital seria um complemento. Enquanto a cultura ocuparia-se da sujeição subjetiva, o capital era responsável pela sujeição econômica.

No decorrer do texto, ele vai descrevendo as diversas formas de cultura. Por exemplo, a cultura de massa primaria pelo hierarquismo, entretanto a submissão seria velada, inconsciente.

A todo instante ele comenta acerca da influência capitalista na economia. “Não existe, a meu ver, cultura popular e cultura erudita. Há uma cultura ‘capitalística’ que permeia todos os campos de expressão semiótica. No fundo, há só uma cultura: a capitalística. É uma cultura etnocêntrica e intelectocêntrica”.

Acredito que o escritor é radical quando pensa que a cultura não existiria isoladamente. Mesmo ela isolando e “aprisionando” as pessoas, como afirma o conceito reacionário de Guattari, é mutável e passível de questionamentos. O que acontece é que os políticos utilizam-na erroneamente. E nem mesmo o autor tem certeza do que diz, verifica-se isso pelo título, em forma de pergunta. Cabe a cada um tentar preencher essa lacuna.

quinta-feira, 22 de setembro de 2005

Matrix e Guattari

Pensadores, estudiosos, cineastas, músicos, artistas em geral, todos já notaram o poder da tecnologia e, no meio desse pandemônio, tentam descobrir suas identidades.

Vive-se num mundo no qual os homens são verdadeiros escravos dessa tecnologia. Tão subservientes que, um filme como Matrix, cuja crítica é sobre o poder exagerado da tecnologia, depende da mesma para reproduzir seus inúmeros efeitos especiais.

O que é real e o que é irreal? Não se tem mais noção. Segundo a teoria de Braudillard, no pós-modernismo ocorrerá o domínio do simulacro, onde será possível a substituição do mundo real por uma versão simulada tão eficaz quanto a realidade.

Ocorrerá ou já está ocorrendo? Em Matrix, há a dicotomia do personagem principal que se divide entre duas vidas, a real e a aparente, entre dois nomes, Anderson e Neo (verifica-se simbologia até no nome fictício dele: “Neo”, o “novo”). Quantas vezes as pessoas não se escondem atrás de nicks, em salas de bate-papo e preferem viver uma vida virtual à real.

Baseando-se na internet como sendo uma grande Matrix, também temos os processos moleculares citados por Guattari. Esses movimentos moleculares seriam os que prezam pela singularização dentro da rede mundial de computadores. Quais seriam? Os blogs, fotologs, entre outros.

No decorrer do filme, Morfeu diz a Neo que “Matrix é o mundo que acredita ser real para que não se perceba a verdade”. Intrigado, Neo pergunta qual seria essa verdade e ouve a seguinte resposta: “Que você é um escravo, Neo. Como todo mundo, você nasceu num cativeiro. Nasceu numa prisão que não pode ver, cheirar ou tocar. Uma prisão para a sua mente”. O pensador francês Félix Guattari também teria uma resposta para Neo. Se houvesse um diálogo entre Guattari e o personagem de Matrix, possivelmente ele diria que essa prisão mental poderia vir da cultura, já que ela é reacionária.

A cultura prende o indivíduo do mesmo jeito que a Matrix “cegou” Neo. A realidade choca. Quando Neo a enxerga diz a Morfeu: “Por que meus olhos doem?” Ele prontamente afirma: “É porque você nunca os usava”. Pensamento semelhante ao da cantora baiana Pitty, que na música intitulada Admirável Chip Novo fala: “Pane no sistema alguém me desconfigurou, aonde estão meus olhos de robô? Eu não sabia, eu não tinha percebido (...) nada é orgânico, é tudo programado e eu achando que tinha me libertado”.

Assim, pensando que está livre, o homem não conheceria o real, acreditaria no falso como sendo verdadeiro. Até mesmo no que diz respeito à reprodução humana, Matrix mostra os desejos humanos de querer perpassar a biologia, criando homens em série e em cativeiros.

Quanto à memória e identidade do homem, no pós-modernismo é tudo instantâneo. Esquece-se do passado. É tudo muito rápido, como nos computadores, no qual basta apenas um click para apagar anos de trabalho e história. Como construir uma identidade nessas condições? Como a identidade multifacetária e com a ajuda da cultura – mesmo ela sendo reacionária – as pessoas através de sua individualidade, seus “devires” podem construir uma identidade própria. Essa é a luta de Neo.

sexta-feira, 9 de setembro de 2005

O jornalismo solidário e a ética da jornalista Xinran

A escritora Xinran cumpriu o seu verdadeiro papel de jornalista – esquecido por alguns profissionais atualmente - e de cidadã ao escrever o livro As boas mulheres da China. Através do poder concedido à mídia e ao jornalista (ao se fazer público), ela deu voz às milhares de chinesas injustiçadas e mostrou ao mundo o que se passa no país mais populoso do mundo. Ela nos forneceu uma visão não apenas de uma jornalista, mas de uma chinesa, que lidava diariamente com os problemas aos quais se referia.

Mesmo após ter o livro transformado em best-seller, a jornalista nunca usou a fama com outro propósito que não fosse ajudar suas compatriotas. Apesar de ser perseguida, colocar a vida em risco, ela não fraquejou ao se arriscar para ver o que escreveu ser lido por milhões de pessoas em todo o mundo.

A solidariedade e a ética da obra de Xinran estão justamente nisso: contar uma história verídica, objetivando uma melhoria, dar o direito do mundo saber o que acontece numa civilização milenar que, até hoje, é lembrada pela tortura, mas que ao mesmo tempo almeja uma reabertura político-econômica num mundo globalizado.

E é nesse contexto de globalização que o livro As boas mulheres da China é importante. A preocupação com os Direitos Humanos e a idéia de avanço na civilização fazem o leitor sentir-se chocado ao constatar os absurdos cometidos na China. Xinran ainda
é ética ao relatar as histórias de diversas chinesas de uma forma delicada, protegendo a identidade delas (verifica-se isso na “nota da autora”, ao avisar que os nomes foram modificados).

Não ser só redatora, mas também personagem, esse é o diferencial de Xinran, que viu no livro uma forma de lutar por direitos iguais numa China machista e invadida por preconceitos oriundos, principalmente, da diferença de pensamentos e ideologias.

domingo, 4 de setembro de 2005

"É cum a dor!"

Pela primeira vez estou tendo a oportunidade de olhar a colonização brasileiras pelos olhos do colonizador. Não é bem a brasileira, mas... vou explicar...

Estou lendo o livro “Equador” do português Miguel Sousa Tavares na verdade ele é uma ficção, mas tem muito de história portuguesa. O autor mistura a história da colonização de São Tomé e Príncipe com a de Luís Bernardo, um bon vivant que é escolhido pelo rei Carlos dr Bragança para ser governado da menor província lusa na época (início do século XX).

É engraçado porque os Estados Unidos são o que são porque bem herdaram os genes dos ingleses!! Em 1906, o país de Bush não era o império que é hoje. Quem dava as cartas era a Inglaterra, como todos já sabem que acontecia até o final da Segunda Guerra Mundial.

Então... os ingleses, que diziam querer acabar com a escravidão, se incumbiram de fiscalizar os demais países, dentre eles Portugal, para que não fossem mais levados negros da África para as colônias.

Só que muitos negros saíam de Angola para trabalhar em São Tomé... Eles eram “contratados”. Não preciso chegar até o fim do livro para saber que espécie de contratos eram esses...

O papel de Luís Bernardo é fazer com que a opinião do cônsul inglês acerca de São Tomé mude. Portugal não quer ter a imagem de última nação a explorar os negros africanos. Daí, o desenrolar da história não sei (e não contaria para não perder a graça, né?) porque ainda to na página 150 e o livro tem mais de 500! Hehehehe

Mas vamos ao que de fato me chamou atenção. Os ingleses só estavam interessados em tomar São Tomé de Portugal, pois ele era um grande produtor de cacau (só perdia para a Bahia) e com isso usavam o pretexto da escravidão.

Em certa parte do livro, o governador de Angola fala que os preconceituosos não são os portugueses, mas sim os ingleses. O argumento dele? Como se deu a colonização em Angola, por exemplo? Como se deu aqui no Brasil, hein? A diferença da de Angola para a do Brasil é apenas o nome dos países. Como foi que um país pequeno e pouco povoado construiu um verdadeiro império? Era preciso “povoar”!

Os portugueses do Alentejo, os mais pobres e aventureiros que não tinham nada a perder ganhavam fazendas em Angola, viravam “donatários”. Mas para isso era preciso que eles “achassem” a terra, ou seja, embrenhavam-se pelo interior da África. Aqueles que achavam as “fazendas” pegavam uma ou duas negras como “esposas”. A única exigência de Portugal era que se ensinasse o português aos “mulatinhos”. Voilà!! Hoje temos uma África que fala lusófona!!

Já os ingleses preferiam levar a família e tentar a vida num lugar totalmente desconhecido e nunca tinham filhos pardos, não “se misturavam”. É tanto que nos Estados Unidos até hoje existem verdadeiros guetos.

É assim que nascemos também... e não neguemos nossas origens lusas, pois muito do “jeitinho brasileiro” tem da maneira portuguesa de ser, notaram?

* O título foi esse porque se especula que "Equador" venha da contração do português arcaico "É cum a dor".

Ótima entrevista com o autor de Equador!